Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.

Tradução: Elissandro Santana.

 

Dos criadores de “Foi-se a luz na contagem dos votos nas eleições de 94” e “Isto é um enredo”, vem em 4D e BlueRay o “O gasolinaço é necessário ou Os senhores que fizeram?”.  A situação atual no México parece ter saído da mesa do diretor Quentin Tarantino. Começamos com uma cena feliz para passar às cenas das manifestações, explosões, saques e violência por parte da polícia. O exército percorrendo as ruas e desculpas imbecis que só nos machucam como uma faca atravessando nossos corações. Exagero? Não acredito.

 

Exatamente à meia-noite, enquanto os mexicanos brindavam e engoliam ligeiro as 12 uvas para fazerem seus pedidos começando com toda a atitude positiva o ano novo, em todos os postos de gasolina, de maneira instantânea, acontecia o novo aumento no preço da gasolina. Em primeiro de janeiro, dia em que as pessoas não fazem nada, milhares de manifestantes saíram às ruas de suas respectivas cidades, teve bloqueios de ruas importantes, tiros de cabines e os tradicionais memes nas redes sociais (que em nada ajudam). As pessoas saíram para mostrar o descontentamento que realmente é uma isnatisfação com razão, pois o salário médio do mexicano é de 80 pesos diários (4 dólares estadunidenses) e a gasolina custa aproximadamente 20 pesos (2 dólares); é importante destacar que não somente os mexicanos utilizam seus transportes para realizar suas atividades diárias, mas, também, transportar os produtos por todo o país. Ademais, a gasolina movimenta as indústrias que produzem alimentos e outros materiais (há anos já deveríamos ter procurado por fontes alternativas energéticas, porém, parece que gostamos de viver no limite).

 

Não somente a gasolina aumentou, mas também, o gás LP e a eletricidade sofreram um aumento de 15%.

 

Lamentavelmente, em alguns lugares como em Veracruz e Puebla as manifestações saíram do controle devido aos grupos de choque que trabalham para o governo para a geração de violência e, assim, legitimar o uso da força do Estado.

 

Os grupos de choque e de saqueadores ficaram responsáveis por acender os barris de pólvora da confusão, a desorganização, o vandalismo e o medo em todo o país. As primeiras reportagens falam de grupos de “manifestantes” que tomaram os postos de gasolina e começaram a roubar o combustível e dividi-la; também foram registrados casos nos quais os saqueadores roubaram tubos de gasolina esvaziando-os; os mesmos atos ocorreram em grandes empresas como supermercados, lojas de eletrodomésticos, casas de penhor, lojas e, por último, em pequenos comércios e, inclusive, em residências. Em particular, onde vivo (rua fechada), um vizinho que possui uma fábrica de mármore, juntamente com os trabalhadores, foi amarrado e espancado; esvaziaram todo o seu depósito.

 

Ocorreram casos de vandalismo e roubos em Veracruz, estado do México, Hidalgo, Monterrey e em Puebla. A Ciudad de Puebla, na semana passada, ficou pesada e cheia de medos tendo em vista que, do nada, chegam-nos mensagens do whatsapp e nas redes sociais de lugares que seriam saqueados; rumores de grupos de vândalos que se direcionam a colônias, aos mercados, às praças comerciais e a postos de gasolina para saquearem. Algumas lojas, por medo, até fecharam; saí para comprar “tortillas” e as ruas estavam vazias; escutava em meu trabalho histórias de lugares assaltados e me perguntava: qual a relação dos roubos com o aumento do preço da gasolina? Pura distração orquestrada pelo governo para que as pessoas deixassem de odiar os aumentos nos combustíveis e passassem a odiar os saqueadores.

 

Pouco a pouco, os primeiros internautas das redes sociais foram descobrindo as identidades dos que estavam por trás do cyberterrorismo. Aproximadamente, apareceram 500 contas falsas e 1500 mensagens no twitter em um ato coordenado encarregado por espalhar rumores e incentivar as pessoas a se unirem aos saques espalhando o medo.

 

Porém, nem todos os mexicanos seguiram o jogo; alguns grupos se organizaram para evitar os saques como em Hidalgo e em Monterrey; também começaram a organizar idas às ruas para demonstrarem que a população pode expor seu descontentamento de maneira pacífica e não saqueando o comércio.

 

Nosso lindíssimo presidente, guardião da democracia, administrador responsável de nossos recursos naturais e economista por excelência, o graduado Dom Enrique Peña Nieto, em duas mensagens à nação deu a conhecer que os aumentos de combustível são necessários porque os preços internacionais do petróleo estão caros e o governo já não pode subsidiar o preço dos combustíveis pelas crises internacionais. Nosso acolhedor presidente se dirigiu com o coração na mão e lágrimas na alma “compartilho esse desconforto que acompanha a aplicação desta medida, mas é uma ação que ninguém queria que fosse tomada, pois ela não é fácil; como presidente não desejo aplicar esta medida, porém não tomá-la seria pior, por isso, apelo à sociedade”.

 

Ademais, em sua segunda mensagem, acrescentou que são necessários os aumentos no preço dos combustíveis porque caso isso não seja feito programas sociais serão cancelados, como remoção do seguro de saúde universal, redução do número de professores, fechamento de escolas, bem como o aumento de impostos, o que afetaria a milhões de mexicanos.

 

O chefe da Secretaria de Fazenda e Crédito Público (SHCP), José Antonio Meade Kuribreña, disse que “Sustentar os preços dos combustíveis implica uma subvenção impossível e inconveniente para manter.”.

 

Além disso, a Presidência da República publicou em sua conta de Facebook oficial que 60 milhões de mexicanos, os de menor renda, somente consomem 15% do combustível e que a décima parte da população consume os 40% da gasolina e esta é outra razão para não subsidiar a gasolina porque beneficia a população de maior renda.

 

Nosso lorde Peña Nieto, ao que parece, zomba de nossa inteligência, porque o que não sabe ou já esqueceu é que os mexicanos possuem conhecimento do salário exato que ganham o executivo federal, os secretários, os senadores e deputados, os magistrados e o restante do incompetente pessoal do governo mensalmente e que esse dinheiro pode subsidiar muito bem a gasolina e, assim, não afetar a população.

 

Peña Nieto nos pregunta: que fariam vocês? O povo mexicano apresenta algumas respostas:

 

Vender a casa branca: 54.000,000 pesos (R$ 7.951.500,00)

Vender o avião presidencial: 733.000,000 pesos (R$ 107.934.250,00)

Diminuir o salário dos deputados: 1.947, 000 (971.455,500 -R$ 143.046.822,38 –  pesos pelos 500 deputados)

Botar fora os políticos e atacar diretamente a corrupção, pois ela custa 341. 000,000, 000 pesos  (mais de 50 bilhões de reais)

Deixar de pagar pensões a ex-presidentes: 40.000,000 pesos (R$ 5.890.000,00)

Para o azar de nosso tão admirado presidente, um relatório da Administração de Informação de Energia (EIA, por sua sigla em inglês) deu a conhecer que o México importa dos Estados Unidos 53 de cada 100 litros do combustível que consome (isto é porque nos vendemos petróleo para eles e importamos a gasolina).

 

“O relatório da EIA estabelece que os preços da gasolina comum nos Estados Unidos, em média 2.14 dólares por galão (3.78 litros) em 2016, custavam 29 centavos de dólar a menos, uma redução de 12% em relação a 2015, o que foi a menor média anual desde 2004. O baixo preço do petróleo cru em 2015 foi a principal causa da redução no custo do combustível, acrescentou a EIA”. Para mais informações, podem acessar a página da EIA: http://www.eia.gov/todayinenergy/

 

Enquanto o governo nos impõe a ideia suicida de que devemos apertar o cinto para que assim paguemos por sua má administração, todo o aparato do governo disfrutará de cupons para gasolina, isto é, o Estado se encarrega de subsidiar o consumo de combustível a todo seu pessoal; tão somente os deputados e senadores dispõem de até 5 mil  (R$ 736,25) pesos por mês de cupons de combustível se suas residências localizam-se a menos de 250 quilômetros de distância da CDMX. Os 865 magistrados do país recebem $ 5.600 (R$ 824,60) em cupons de gasolina, enquanto que os 538 juízes recebem $3,000 (R$ 441,75) mensais, por 11 meses ao ano.

 

Sobrevivemos à primeira semana do ano com o primeiro aumento e enquanto termino de escrever este texto estão ocorrendo confrontos entre os manifestantes e a polícia da cidade fronteiriça em Nogales, Sonora. A polícia disparou contra os manifestantes que mantiveram ocupadas as instalações de Serviço de Administração Tributária (SAT), conhecidas como a Porta do México e que também haviam bloqueado a passagem na fronteira.

 

Estão a caminho os segundo e terceiro aumentos no preço dos combustíveis; está chegando fevereiro e, portanto, o preço será fixado diariamente; restam dois anos de administração presidencial para Dom Enrique, um futuro duvidoso e um bolso que já não é suficiente para satisfazer as necessidades básicas do mexicano. Será possível ver e viver uma revolução no México, ou, como sempre, a população cederá e continuará mantendo as elites?

 

Fonte: Desacato.info

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