Por Winnie de Campos Bueno

O ano de 2017 marca o centenário da Revolução Russa, um dos momentos mais emblemáticos para a esquerda internacional. Contudo, apesar da fundamental importância das mulheres para o sucesso do processo revolucionário russo, pouco se comenta sobre a participação decisiva das mesmas nas frentes de lutas que ocorrerem neste período.

Nesse final de semana tive a oportunidade de me debruçar um pouco sobre esses aspectos. Entre homens e mulheres debatemos o legado das revolucionárias russas para o movimento feminista na atualidade. As trabalhadoras que se levantaram por pão, terra e paz ainda são capazes de nos repassar importantes lições sobre o potencial avassalador que a organização feminina tem nas transformações sociais que são basilares para a alteração do cenário conservador e retrogrado que estamos experimentando internacionalmente na atual conjuntura.

O dia 23 de fevereiro, na época dia dedicado às mulheres, marca o estopim da Revolução de 1917.  Quem poderia imaginar que o dia da mulher, na precarizada e miserável Rússia, seria o marco de uma das mais estimadas revoluções já vistas na história?

As condições mortificantes em que estavam submetidas as trabalhadoras russas não lhes deram outra saída senão substituir a agenda de reuniões, panfletagens e debates por uma grande mobilização grevista. Milhares foram às ruas pelos seus direitos mais elementares, assim como nós, mulheres da atualidade, tomaremos as ruas no próximo 8 de março com uma agenda unificada pela manutenção e ampliação de nossos direitos.

A relevância das revolucionárias russas se deu nos mais amplos aspectos, estando a frente do seu próprio tempo. As pautas reivindicadas por estas lutadoras ainda são muito atuais. E, apesar dos retrocessos impostos pelo stalinismo posteriormente, as conquistas dessas mulheres servem de exemplo para todas nós. A autonomia feminina, inserção no mercado de trabalho de forma igualitária, emancipação econômica, socialização do trabalho doméstico, livre sexualidade, entre outras, são pautas que ainda hoje articulam as mulheres internacionalmente e que fizeram parte dos avanços conquistadas na Rússia socialista, certamente impulsionados pelas lutas das mulheres.

As contradições do sistema capitalista são mais fortemente experimentadas pelas mulheres. A múltipla jornada de trabalho, as privações sociais, a objetificação de seus corpos, a violência física e simbólica, as condições degradantes da vida das mulheres trabalhadoras tem sido uma condição histórica permanente que acompanha a trajetória das mulheres.

As possibilidades de superação dessas condições, como bem nos demonstram as revolucionárias russas, só são possíveis através da incessante mobilização e do incansável esforço teórico de formulação de políticas que sejam capazes de desmontar o aprofundamento de iniciativas que, a exemplo da reforma da previdência no Brasil, degradam ainda mais a vida das mulheres. A proposta de equiparação da idade de aposentadoria entre homens e mulheres, por exemplo, demonstra o quão abissalmente deslocado da realidade está o governo federal. Não se atentam a questões que estão demonstradas há décadas.

As mulheres padecem com a acumulação de tarefas, no âmbito doméstico, sejam casadas ou não (destaque importante já que há deputados defendendo que a diferenciação na idade para a aposentadoria se dê apenas para mulheres casadas) já que o trabalho reprodutivo não está adstrito a instituição do casamento. As mulheres, devido a ineficácia do Estado em atender as demandas relativas à assistência social, acabam desempenhando as tarefas de cuidado, especialmente dos idosos. Um trabalho. Não renumerado, não reconhecido, não valorizado. Segundo o IPEA, a reforma apresenta um caráter elitista e machista, o que não nos é nada surpreendente considerando o perfil do governo Temer.

Apesar das diferenças históricas e sociais entre o atual momento e o vivenciado pelas mulheres russas revolucionárias, é primordial que reconheçamos e retomemos o legado dessas lutadoras. A coragem dessas mulheres em enfrentar a autocracia czarista em um cenário tão árido serve como propulsora de nossas lutas e resistências. Que sejamos capazes de anseios revolucionários tão transformadores quanto os destas mulheres.

*Winnie de Campos Bueno é Iyaloríxa do Ile Aiye Orisha Yemanja (Pelotas/RS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas.

Referências

ALVES, Carolina; VESTENA, Fernanda; LAMARÃO, Goulart. Mulher, Estado e Revolução-‐política da família Soviética e da vida social entre 1917 e 1936 Wendy Goldman. 2014.

Fonte: Carta Capital

Foto: Reprodução

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