Por Clarissa Peixoto, Mestranda no POSJOR, pesquisadora do objETHOS e jornalista do Sindprevs/SC

A nova lei trabalhista entrou em vigor no último sábado (11) sob tímidos protestos organizados pelas entidades sindicais na sexta-feira (10) e à luz de uma cobertura jornalística preocupada em racionalizar perdas e ganhos do governo e os impactos para o empresariado. A consolidação da reforma é uma vitória na batalha pela implementação da agenda neoliberal que se acirra desde o impedimento de Dilma Rousseff (PT) e que denota uma correlação de forças desfavorável às organizações classistas. Diante do quadro, a imprensa brasileira parece se comprometer menos com os efeitos na vida cotidiana dos que vendem a sua força de trabalho do que com o consórcio entre os empresários, o parlamento e o governo Michel Temer (PMDB).

O projeto de lei da reforma trabalhista foi enviado pelo executivo ao Congresso Nacional em dezembro de 2016. Com texto substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB), foi aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada do dia 27 de abril, em um cenário de intensa mobilização social. Basta lembrar que no dia seguinte (28), a greve geral convocada pelas centrais sindicais contou com adesão significativa em todos os estados brasileiros. No Senado Federal não foi diferente e a discussão da reforma findou com a chegada do segundo semestre. Em 11 de julho, os senadores aprovaram o texto da Câmara em um placar com 50 votos favoráveis, 26 contrários e uma abstenção. Neste momento, a agitação social também começou a refluir.

Diante do quadro político, qual o papel da imprensa tradicional no processo que culminou com a implantação da reforma trabalhista nesse fim de semana? Quais atores fizeram parte da narrativa construída pelos veículos jornalísticos tradicionais? Que ideias foram disseminadas sobre o impacto na vida das pessoas com a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)? Houve agitação ou silenciamento por parte da imprensa? De que natureza?

Ao que tudo indica, o jornalismo cumpre um papel preponderante no balizamento da opinião pública. Em uma perspectiva do ideal, deveria confrontar um número considerável de posições para a construção do extrato jornalístico, relevando atores dissonantes que, embora minoria em representação política – como é o caso da bancada sindical no Congresso -, dialogam com parcela importante dos trabalhadores brasileiros. E não basta ouvir declarações, é preciso que o jornalismo contextualize, explique e faça projeções diante dos elementos que nos fornece a realidade. No entanto, ao longo do processo “acelerado” de debate, a imprensa brasileira trabalhou no confronto reduzido de ideias entre o mercado “contratante” e as políticas de governo – grupos que compõem o mesmo campo -, tratando de forma pouco enfática os prejuízos com as mudanças na lei, observados tanto pelo sindicalismo como pela própria Justiça do Trabalho.

Corrobora para essa entendimento a reportagem da ONG Repórter Brasil, publicada em 05 de junho, com o título “Reforma trabalhista: maior parte da mídia não aborda o impacto negativo das mudanças”. A pesquisa que sustenta a matéria “analisou mais de 150 textos dos três jornais de maior projeção nacional – Folha, O Globo e Estadão – e 30 minutos de matérias dos dois principais telejornais – Jornal Nacional e Jornal da Record. Foram avaliados os cinco dias anteriores e os cinco posteriores à aprovação do relatório do deputado Rogério Marinho na comissão especial da Câmara: de 20 a 30 de abril de 2017”.  De acordo com a apuração, “’modernizar’ uma legislação ‘anacrônica’, privilegiando a negociação entre patrões e empregados com o objetivo de dinamizar a economia e favorecer a retomada dos empregos”, foi o argumento mais utilizado pelos veículos. Entre os apontamentos, a reportagem menciona que os impressos, com destaque para o jornal O Estado de São Paulo, “deram a entender” que o debate era uma “briga entre governo e sindicatos, que podem perder a principal fonte de financiamento” com o fim do imposto sindical. Além disso, a Repórter Brasil também observou a cobertura relativa à greve geral de 28 de abril, elencando menções da imprensa sobre a reforma trabalhista como uma das insatisfações dos manifestantes, mas destaca que na cobertura específica dos protestos, “todos os veículos expuseram em primeiro plano ações de vandalismo, confrontos com a polícia e os prejuízos causados à população em decorrência da paralisação dos transportes”.

Silenciamentos

A imprensa tradicional, como é de se esperar – afinal, é também uma empregadora – se eximiu de tratar a questão central que sustenta a reforma trabalhista: as contradições entre capital e trabalho. Quando não enfrenta os conflitos de interesse entre patrões e empregados, invisibiliza o principal impacto da nova lei que é o de ampliar o poder daquele que emprega, ou seja, a possiblidade de aumentar a exploração da força de trabalho. Leis trabalhistas existem, nos marcos do próprio capitalismo, para equilibrar a correlação de forças entre empregador e empregado, considerando a desvantagem que o segundo tem em relação ao primeiro. Como mercadores de notícias, os principais veículos de imprensa optaram por deflagrar as contradições internas do mesmo campo ou, em outras palavras, se agitou entre a pressão do mercado e os limites do governo em operar a agenda de recrudescimento que ela própria parece defender. A mesma lógica está presente no silenciamento, quando as pautas não se desdobram sobre como se efetivarão, na prática, o trabalho intermitente, o teletrabalho, a fragmentação dos direitos e a fragilidade nas condições de negociação entre patrão e trabalhador. Presta desserviço quando não elucida o contexto e as possíveis consequências de uma ação de tamanha envergadura que altera direitos.

É bem verdade que as manifestações da sexta-feira (10) – que foram pauta dos principais veículos de imprensa – demonstram um refluxo na capacidade de mobilização das entidades sindicais, no entanto, denotam também um esforço de diálogo com a sociedade sobre os efeitos da reforma nas leis do trabalho. Um breve olhar sobre a cobertura dos principais jornais nacionais, na manhã seguinte aos protestos e data em que entra em vigor a nova legislação, pode nos dar pistas sobre o que constroem os meios de comunicação a respeito da disputa em torno do tema. A narrativa jornalística de jornais como a Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo não aponta com acuidade os questionamentos à reforma que geram descontentamento dos movimentos sociais e reforça como principal pauta dos sindicalistas o fim do imposto sindical, sintetizando o “interesse” das centrais somente na manutenção de sua existência, diante de uma série de alterações negativas que devem mudar a vida de quem trabalha. Novamente, questiona-se: de alguma forma a cobertura da imprensa brasileira colabora para a desmobilização dos trabalhadores em defesa dos seus próprios direitos?

Não é leviano afirmar que neste processo de disputa pelo caráter da reforma trabalhista, a imprensa articulou uma narrativa restritiva, reproduzida também na cobertura dos principais jornais do sábado, 11. Ela inclui uma circunscrita apresentação de vozes, afetando a pluralidade de ideias e centrando-se apenas nas contradições entre empresariado e governo; a sintetização das pautas que mobilizam as centrais sindicais, concentrando-se notadamente no imposto sindical como principal ponto de agitação do sindicalismo; a não contextualização dos aspectos negativos que a reforma traz em seu conjunto e a preocupação reduzida em explicar o que cada mudança pode oferecer de prejudicial para os trabalhadores ao longo do tempo. Ou seja, mesmo que apresente posições para além daquelas que respondem aos interesses dos empresários e do governo, as trata de forma reduzida e fragmentada, ao mesmo tempo que marginaliza ações sindicais no discurso indireto.

Em comum, as edições da Folha de São Paulo, O Estadão e O Globo do dia 11 de novembro, optam por tornar secundário os discursos em defesa de direitos, presentes em vozes sindicais e da Justiça do Trabalho. São ressonantes à fonte oficial, repercutindo amplamente a posição do Ministro do Trabalho e do presidente Temer e silenciam sobre as consequências da nova lei para quem trabalha, se limitando a elencá-las. Faz uma escolha não casual pela voz representativa do empresariado e pelas idiossincrasias de um governo que opera sob impopularidade e relações de promiscuidade com o Congresso Nacional. A democracia se encolhe com este quadro que justifica, em medida, a perda de confiança nas instituições. À imprensa, cabe a mesma desconfiança e o mesmo ceticismo diante das narrativas que constrói.

Fonte: Objethos

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