Por Clarissa Peixoto, jornalista do Sindprevs/SC

Mestranda no POSJOR, jornalista do Portal Catarinas e pesquisadora do objETHOS 

Do estigma da mãe generosa às lutas por justiça social, o mês de março parece concentrar uma discussão pública que, embora nos marcos do novo século pareçam aportar nas margens do direito e da dignidade humana, ainda incorrem na segregação, no estigma ou na secundarização da mulher no meio social.

Neste 8 de março, todas as regiões brasileiras devem promover uma série de atos públicos, marchas e atividades com o objetivo de visibilizar a pauta política que emerge dos movimentos de mulheres e feminista. O 8M, chamado internacional à greve feminina, desencadeado em 2017, é um grito mundial contra a violência de gênero e à rebelião ao sistema capitalista e patriarcal. Em 2018, as brasileiras se empenham em superar as mobilizações do ano passado, enfrentando frontalmente a tutela do estado sobre corpos e ao denunciar as taxas de feminicídio que colocam o Brasil na quinta posição no ranking mundial.

No entanto, a unidade do movimento também se reforça frente à cena política nacional. As manifestações em todo país trazem o rechaço feminino à reforma trabalhista aprovada em 2017, ao congelamento dos investimentos em áreas essenciais como saúde e educação e à iminência de uma reforma da previdência que sobrecarrega ainda mais as mulheres, já exauridas pelas triplas jornadas e pela violência.

Diante de toda essa mobilização, parece justo o tema pautar a imprensa, sobretudo aquela que se propõe a qualificar as discussões públicas. No entanto, uma olhada rápida pelas capas das principais revistas brasileiras na semana no 8M, é notório o silenciamento do movimento de massas que as mulheres preparam para a data. IstoÉ, Veja, Época e Carta Capital trazem desdobramentos do emaranhado político brasileiro, mas não apostam na pauta das mulheres em suas capas.

Os motivos podem ser variados e perpassarem entre si, mas me parecem estar conectados com uma escalada que inviabiliza a resposta social, sobretudo quando ela insurge de uma maioria não hegemônica. As reivindicações por equidade e igualdade de gênero ainda são tratadas de forma secundária, como não fossem um objetivo necessário à humanidade, mas um anseio localizado de um movimento. Embora haja avanços na transformação deste pensamento, até mesmo os ambientes jornalísticos que se propõem a trazer para pauta estes temas o veem de forma recortada.

No jornalismo, a perspectiva de gênero ainda é uma especialidade, um campo a ser explorado na pauta e na fonte, talvez até na narrativa. Mas, essa perspectiva precisa ser uma prática transversal que compreenda o fosso de gênero no mundo como uma questão a ser superada e que, portanto, precisa de ações para além daquela que busca “dar voz à reivindicação do outro” (neste caso, as outras). A equidade de gênero deve ser um objetivo da humanidade, logo uma responsabilidade do jornalismo. As mulheres são a maioria da população, mas ainda morrem por serem mulheres. Essa violência mais bruta – o assassinato – é reflexo de um complexo de violências, de uma cultura estruturada em um sistema que rebaixa o feminino e que, sim, é inviabilizada pelos meios de comunicação e pelo jornalismo.

Outro aspecto a considerar é a pauta do 8M de enfrentamento a conjuntura política. Desde o impedimento de Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita para esse cargo no Brasil, o país aprofundou a injustiça social e se distanciou da perspectiva democrática. O atual governo promove violência aos movimentos sociais e busca calar de forma sistemática toda e qualquer denúncia contrária à supressão de direitos sociais. O enfrentamento a essa decisões que colocam o país na marcha-ré da história foi central para a construção da unidade do movimento que articula o 8M Brasil em 2018. Fica o questionamento sobre o porque desses veículos de comunicação, ou parte deles, silenciarem – ou pelo menos não destacarem – a efervescente mobilização de mulheres neste 8 de março.

É considerando tudo isso que precisamos de um jornalismo com perspectiva de gênero, para demonstrar as desigualdades no mundo laboral do jornalismo, nas pautas, nas escolhas das fontes e nas narrativas. Mas precisamos mais ainda de um jornalismo que ouça as vozes sociais descrentes das instituições representativas, tais quais as milhares que estarão nas ruas hoje por direitos e justiça social.

Fonte: Portal objETHOS

Foto: Gabriel Rosa. Marcha das Mulheres em Florianópolis, durante a Greve do Dia Internacional das Mulheres de 2017.