Mariana Franco é ativista de direitos humanos | Foto: Arquivo pessoal

:: Mariana Franco: uma catarina referência no combate a todas formas de preconceito

Recentemente, recebi a ligação de uma amiga gaúcha que por vontade própria decidiu viver com HIV/Aids para receber o auxílio doença. Essa história marcou profundamente pela dor e agonia que vivem as pessoas trans no Brasil, principalmente pela falta do mercado de trabalho, acesso à educação e isolamento familiar.

Muitas histórias tristes marcaram a minha vida, e muitas alegrias também. Uma delas aconteceu em 1° de Março de 2018, dia que ficou marcado para sempre na história dos movimentos sociais no Brasil e em especial para todas as pessoas transexuais e travestis do Brasil.

Há 4 anos, todo o movimento trans lutava incondicionalmente para que as cirurgias de transgenitalização não fossem obrigatórias para a retificação de nome e sexo em registro civil. Por várias vezes, este julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) era prolongando, sempre deixando toda a comunidade LGBTI apreensiva sobre o rumo das decisões dos Ministros da Corte Superior do Brasil. Mas neste dia, neste 1° de Março, algo estarrecedor aconteceu. Enquanto eu assistia na televisão as decisões dos Ministros, com suas falas cheias de jargões jurídicos, muita pompa e circunstância, lágrimas de felicidade, de emoção rolavam pelo meu rosto e de todas as pessoas que estavam comigo.

O STF decidiu que pessoas transexuais e travestis no Brasil não necessitam de cirurgias para a retificação de nome no registro civil, como também decidiu que não são mais obrigatórios laudos psiquiátricos, psicológicos e hormonioterapia para fazer a retificação de nome. Quer motivo para ficar mais feliz? Vamos lá: o processo agora é administrativo. É só você ir ao cartório de registros civil e fazer a troca.

Essa conquista junto ao STF, em período de um governo ilegítimo, com pessoas se apresentando cada vez mais intolerantes à causa LGBT, é de extrema importância pois não ficaremos mais no armário como querem.

Sempre digo que travesti é resistência. Passamos a ditadura militar, passamos as décadas de 80 e 90, quando pessoas LGBTI eram correlacionadas ao HIV, e ainda aqui estamos, firmes e fortes, lutando por nossos direitos. Somente de lembrar isso, meus olhos enchem de lágrimas. Finalmente, somos pessoas reconhecidas e parte conjunta da sociedade. Não precisamos mais apresentar laudos, não precisamos mais nos submeter ao Estado. Agora de fato, eu, feminista, posso gritar aos quatro cantos: meu corpo, minhas regras.

Para mim, Mariana, foi a maior conquista da comunidade LGBTI do Brasil. A autonomia do meu corpo, da mente e o direito fundamental de todos os direitos humanos: o direito ao meu nome.  A alteração de sexo/gênero em documentação é de extrema importância para não haver Marianas com sexo masculino, nem Pedros com sexo feminino. Posso dizer que a identidade de gênero foi reconhecida no Brasil. Eu posso ter o entendimento de quem sou, de quem quero ser.

Pessoas trans e travestis sofrem muito diariamente por não terem direito ao seu nome, diariamente passando por constrangimentos,passando por inúmeros problemas, mas essas situações estão com fim contado. Devo aqui relembrar também, a importância do nome social, que também foi uma conquista para os movimentos sociais, mas agora com um processo de retificação de nome muito fácil, vamos apresentar para a sociedade quem somos, retificadas por nome e gênero.

Para as pessoas que encontraram formas de invisibilizar e agredir esta conquista, digo que foi luta, muita luta. E não, nenhuma pessoa trans vai ficar com dívidas, pendências por aí. Os números de CPF ficam os mesmos, os números de RG, os números de identificação de qualquer documento se mantém, só altera nome e gênero, tá, gente? Só temos que lembrar aos homens trans que após retificação de gênero devem fazer alistamento militar, e as mulheres trans e travestis devem também fazer a alteração destes documentos. E para quem deseja realizar as cirurgias, mantenha seus laudos guardados, pois você ainda vai precisar deles para a cirurgia ok? Você tem que ter mais de 18 anos para retificar nome, e mais de 21 para realizar a cirurgia.

Dedico pessoalmente, este dia, às minhas amigas que não estão mais conosco, Maura, de Blumenau, e Marcia, de Itajaí. Em especial, mais ainda, dedico este dia para a Jenny, de Florianópolis, Julia, de Criciuma, e todas as outras e todos os homens trans que não estão mais aqui conosco. Essa conquista jamais poderia ser feita sem vocês. É para nós, todas e todos nós.

A cada dia, tenho muito orgulho de conhecer pessoas que motivam mais e mais a nossa luta. Conclamo e convido as pessoas LGBTI, as mães de pessoas LGBTI, amigos, toda a comunidade que apoia a causa para virem à luta conosco.

1° de Março de 2018, Transexuais e Travestis possuem o reconhecimento no Brasil.

Leia também:
:: Trans seguem enfrentando barreiras para usar o nome social

Fonte: Portal Catarinas