Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a PEC nº 6/2019, que pretende modificar profundamente o sistema de proteção social adotado pela Constituição de 1988, em particular os regimes de previdência social aplicáveis aos servidores públicos e aos trabalhadores do setor privado.

Cabe esclarecer que já foi concluído o Primeiro Turno de votação na Câmara dos Deputados, com a aprovação de alguns destaques ao texto que havia sido inicialmente aprovado na Comissão Especial que analisou o tema, de modo que o Segundo Turno de votação na Câmara está previsto para ter início no dia 6 de agosto, com a reabertura dos trabalhos no Congresso Nacional.

Caso aprovada a PEC em Segundo Turno, o texto segue para o Senado Federal, onde será submetido também a dois turnos de votação. Na hipótese de alguma alteração no texto pelo Senado, este retornara à Câmara para nova apreciação, seguindo para a promulgação do texto final.

Evidente que a atual fase de tramitação já diz muito do que a maioria do Congresso Nacional pretende que seja o texto final, mas a nosso ver é prematuro considerar que este texto não venha, ainda, a sofrer profundas modificações, seja para reduzir os danos causados aos trabalhadores (caso haja pressão popular neste sentido), seja para restabelecer danos ainda maiores, presentes na proposta original (caso as pressões populares sejam inexistentes ou de pequena expressão), de modo que o texto final certamente será o resultado destes componentes da conjuntura política que, conforme todos sabem, é bastante instável, haja vista as questões políticas atuais.

De qualquer forma, não se pode desprezar que para os servidores públicos – sobretudo aqueles mais próximos da aposentadoria -, as preocupações são muitas, gerando toda sorte de incertezas e angústias quanto ao seu direito à aposentação, razão pela qual esta Assessoria Jurídica tem se colocado à disposição destes servidores para procurar, na medida do possível, sanar estas dúvidas, sempre alertando que as análises que fazemos tomam por base textos que ainda podem sofrer importantes modificações, haja vista a fase ainda inicial de tramitação da PEC nº 6/2019.

Preparamos um conjunto de perguntas e respostas para orientar os trabalhadores sobre os reflexos da PEC, caso aprovada em segundo turno na Câmara e no Senado.

A Assessoria Jurídica do SINDPREVS estuda alguma forma jurídica de tentar manter, em favos dos servidores que não conseguirem completar o direito à aposentadoria (ou ao gozo de abono de permanência) segundo as regras de transição atualmente vigentes, antes de aprovada a Emenda Constitucional que pode resultar da PEC nº 6/2019?

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao concluir que o direito à aposentadoria apenas se torna adquirido quando implementadas todas as condições para a aposentação, o que implica dizer que antes existe apenas uma expectativa de direito, em relação a qual não há proteção judicial possível.

Veja-se, neste sentido, que por ocasião da aprovação da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, diversas ações judiciais foram, há época, ajuizadas (inclusive pelo SINDPREVS/SC) visando ver declaradas como direito adquirido as regras de transição contidas na anterior Emenda Constitucional nº 20, de 1998, de modo que os servidores e trabalhadores por elas albergados não viessem a ter que submeter à novas regras de transição. Estas ações, entretanto, foram todas julgadas improcedentes, aplicando-se invariavelmente o enunciado da Súmula nº 359[1], do Supremo Tribunal Federal.

Logo, por mais injusta que possa parecer a situação, infelizmente não há base jurídica para ajuizar demanda pretendendo a manutenção das regras de transição contidas nas Emendas Constitucionais nºs 41, de 2003, e 47, de 2005, de modo que os servidores por elas alcançados não venham a ter estas regras pioradas pela Emenda que resultar da PEC nº 6, de 2019. Assim, uma vez que sejam aprovadas novas regras de transição (seja em relação ao Regime Geral de Previdência Social ou aos Regimes Próprios dos servidores estatutários), estas regras substituirão as regras de transição hoje vigentes, as quais só permanecerão valendo para aqueles que chegaram a implementar as condições para a aposentadoria antes da aprovação da Emenda que resultar da PEC nº 6/2019.

Há alguma possibilidade de questionamento acerca da constitucionalidade da PEC nº 6/2019?

Neste aspecto é bom lembrar que a PEC nº 6/2019 é a sexta iniciativa governamental de mudança nas regras previdenciárias desde 1993, sendo que diversas das iniciativas anteriores já foram atacadas por iniciativas processuais diretamente junto ao Supremo Tribunal Federal, visando o reconhecimento de sua inconstitucionalidade por variados fatores.

Todas estas iniciativas, entretanto, restaram infrutíferas!

Com efeito, o STF sempre manifestou o entendimento de que as alterações no Texto Constitucional – salvo quando importe em ferimento a cláusulas pétreas -, constituem prerrogativa do Congresso Nacional, que para tanto precisa apenas observar os ritos ditados pelos regimentos de ambas as Casas Legislativas e pela própria Carta da República (constitucionalidade formal).

De fato, no tocante à PEC nº 6/2019 havia, a nosso sentir, duas importantes inconstitucionalidades em seu texto original, e que tornavam possível o seu questionamento junto ao STF; i) a proposta de desconstitucionalização da matéria previdenciária; e, ii) a proposta de substituição do regime público de previdência pelo regime de previdência complementar.

Ocorre que ambas foram suprimidas do texto aprovado pela Comissão Especial – fato este, aliás, que deve ser considerado importante vitória obtida pelos movimentos sociais e mobilizações havidas no período -, de modo que o texto ora em análise já não contém estas flagrantes inconstitucionalidades, reduzindo sobremaneira qualquer possibilidade de êxito em questionamento judicial levado à Corte Constitucional.

Deve-se frisar, entretanto, que a hipótese continua sendo estudada pela Comissão de Direito Previdenciário do Conselho Federal da OAB, sendo possível (ainda que improvável, pelas razões acima), que a entidade venha a decidir pela propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Em relação ao abono de permanência, não haveria na PEC nº 6/2019 qualquer dispositivo voltado à proteção de tal direito em relação aos servidores que estejam prestes a completar as condições para o seu usufruto. À vista disso, pergunta-se como o direito ao abono será regido caso aprovada a PEC nº 6/2019, e se o servidor terá direito ao abono ao completar quaisquer das regras de transição por ela estabelecidas, mesmo que venha futuramente a se aposentar por outra regra?

Deve-se salientar que em relação aqueles servidores que já implementaram as condições para a aposentadoria segundo as atuais regras de transição, é reconhecido que tanto estas regras (de acesso à aposentadoria) quanto aquelas relativas à percepção do abono de permanência constituem direito adquirido, sendo para eles mantidas mesmo após a eventual aprovação da PEC nº 6/2019.

Em outras palavras, mesmo que a PEC 6/2019 estabeleça novas regras de transição para a aposentadoria (em substituição às atuais), bem como novas regras de transição para o acesso ao abono de permanência (também em substituição às atuais), estas apenas se aplicarão aqueles servidores ingressantes da Emenda em diante e em relação aqueles servidores que mesmo já estando em atividade, não haviam implementado as condições para a aposentadoria segundo as regras de transição (e de abono) vigentes até a aprovação da Emenda que resultar da PEC nº 6/2019.

Por fim, cumpre dizer que em relação àqueles servidores que vierem a se submeter às novas regras de transição, o preenchimento de quaisquer delas dará ensejo ao início do pagamento do abono de permanência, devendo-se, entretanto, observar o percentual a ser fixado por cada ente federativo, que não poderá ser superior ao percentual de contribuição previdenciária estabelecido no respectivo ente.

Ainda sobre o abono de permanência, haveria outra possibilidade de ter acesso antecipado ao direito, que não o preenchimento das regras de transição previstas nas Emendas 41, de 2003 e 47, de 2005?

A Assessoria Jurídica do SINDPREVS está estudando o assunto, e deve emitir uma informação mais detalhada em alguns dias.

Houve alguma negociação envolvendo eventual melhoria das regras de transição aplicáveis aos servidores públicos, como se deu com militares e parlamentares?

Esta é uma questão de natureza muito mais política do que jurídica, mas analisando-a de forma ampla cabe relembrar que as reformas promovidas nos regimes previdenciários - desde a que resultou na Emenda Constitucional nº 20, de 1998, até hoje -,  sempre tiveram por foco principal o funcionalismo público, até porque se trata de setor que o mercado da previdência privada sempre teve como fundamental para os seus interesses lucrativos, haja vista a remuneração média estar situada acima das médias do setor privado; a garantia de estabilidade; e a possibilidade de  descontos em folha de pagamento, reduzindo as chances de inadimplência.

Por outro lado, não se pode desconhecer que a capacidade de pressão dos movimentos de servidores públicos é absolutamente distinta da “pressão” que podem exercer setores como os militares e parlamentares.

A estes fatores deve-se se somar o conhecimento – que todos devemos ter e lembrar -, acerca dos reais interesses que estão por detrás da proposta de desmonte do modelo previdenciário brasileiro, e que passam pelo próprio desmonte do Estado, conforme a visão ultraliberal que demarca o Governo Bolsonaro e os setores que lhe dão sustentação, marcantemente o sistema financeiro nacional e transnacional.

Todos estes fatores, juntos, não poderiam conduzir a outra conclusão que não a de que apenas uma forte resistência popular seria (ou será) capaz de enfrentar esta proposta, e que qualquer negociação visando “reduzir” os prejuízos por ela gerados já significaria a capitulação diante da proposta, com consequências nefastas para os trabalhadores.

Logo, não se tratava – como ainda não se trata -, de nutrir qualquer ilusão de que eventual negociação com o parlamento poderia conduzir ao arrefecimento da ênfase com que este mesmo Parlamento já reduziu e continua reduzindo quaisquer direitos dos trabalhadores brasileiros, aí incluídos os servidores públicos.

[1] Súmula STF nº 359: Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

Fonte: SLPG Advogados Associados

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