Por Ana Carolina Madeira (jornalista e integrante da ACD) Dentre vários relatos e reflexões levantadas no 5º Seminário de Gênero e Raça do Sindprevs/SC, foram muito emocionantes os de moradores de rua. O que houve para que fossem viver sem teto, como a vida tem sido e os sonhos destas pessoas impressionou bastante o público presente. O representante do Movimento de População em Situação de Rua, Daniel Paz dos Santos conta que ainda criança, viu seu pai matar sua mãe com um facão. Já nas ruas de Florianópolis, cansou de ser chamado de bêbado, de ver a polícia jogar fora suas cobertas e roupas, além de sofrer com os abusos de autoridade e as políticas higienistas de diversos governos. "A rua acolhe, mas também cobra, e muito caro: 220 mil pessoas em situação de rua, com possibilidade de aumentar em função de um governo que não faz políticas públicas", explica Daniel Paz dos Santos. Também responsável por emocionar a plateia, Aline Salles, do Movimento Nacional de População de Rua, que se viu aos 13 anos sendo responsável por pagar o aluguel e cuidar das cinco irmãs, passou desde então por estupros, agressões, laqueadura forçada e de ainda perdeu os quatro filhos para o Conselho Tutelar. Ela declara que se empoderou graças aos amigos e à rede de apoio. "Hoje sei me comportar porque sei que é meu lugar. Eu faço parte da sociedade", desabafou. Como a política econômica muda a vida na sociedade O autor Ladislau Dowbor, no livro A era do capital improdutivo: Por que oito famílias têm mais riqueza do que a metade da população do mundo? (Ladislau Dowbor. - São Paulo : Autonomia Literária, 2017), fala que, “não à toa a publicidade dos agentes financeiros é tão repleta de imagens de ternura e segurança. Uma moça sorridente, velhinhas que brincam com o seu celular, uma mãe com crianças ou bebê: tudo para implicar tranquilidade e segurança. No entanto, poucos setores de atividade são tão truculentos nos seus impactos, como se vê nos milhões de americanos que perderam as suas casas, gregos que perderam as suas poupanças ou a massa de brasileiros do andar de baixo que se veem enforcados sem sequer entender o mecanismo que os priva dos recursos. Os sistemas dominantes de informação não ajudam”. Quanto maior a ignorância e a baixa escolaridade, melhor para as classes dominantes. “A economia funciona movida por quatro motores: as exportações, a demanda das famílias, as iniciativas empresariais e as políticas públicas. No nosso caso, a partir de 2014, estes quatro motores ficaram travados, e o sistema financeiro desempenhou um papel essencial neste travamento”, salienta Dowbor. O artigo de Carla Appollinario de Castro, intitulado “Globalização, Neoliberalismo, Trabalho Precarizado, Desemprego e Estado Penal: Os contornos desta combinação perversa” (Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008), acrescenta que, “é possível perceber que, no contexto brasileiro, as consequências que restam de todo o processo de ‘encolhimento do Estado’ aliado à produção de desigualdades sociais e à precarização do trabalho, repercutem de forma muito mais drástica na vida dos indivíduos, em especial, os mais pobres, historicamente ‘sujeitos’ de poucos direitos, principalmente quando se leva em consideração o fato de que não houve a consolidação e implantação total de um Estado de bem-estar social, propriamente dito, mas, sim, ‘uma recente e restrita experiência de proteção ao desemprego, (...) que se constitui no curso da redemocratização do fim dos anos 1980, e que se erigiu sobre a base de um mercado onde predominavam intensas transições entre ocupações e, nessas, uma situação de assalariamento restrito.’[57] O mais grave, atualmente, é que mesmo esse tímido Estado de bem-estar social vem sendo desmantelado pelas medidas impostas pelo neoliberalismo e pela globalização, ao mesmo tempo em que o trabalho é precarizado e as desigualdades, produzidas pelo novo ‘modelo’, são agravadas”. O supervisor técnico do Dieese/SC, José Álvaro de Cardoso, citou na análise “Liquidação da indústria e recolonização do Brasil” divulgado na imprensa, “enquanto nuvens carregadas se formam no horizonte, ameaçando uma tempestade financeira que pode ser mais grave do que a de 2008, o Brasil amarga uma crise gravíssima, com um golpe em pleno andamento, e o pior governo já registrado na história do país. Todas as medidas encaminhadas pelo governo aumentam a exposição do Brasil aos choques que ameaçam a economia mundial, previstos por especialistas em economia mundial. Dezenas de medidas que acabaram (ou reduziram), com direitos sociais e trabalhistas, entregando as estatais para os abutres, volta da fome, todo esse conjunto, fragiliza ainda mais o Brasil perante eventuais choques internacionais da economia”. Na matéria da jornalista Gleice Nogueira ao jornal A Verdade (http://averdade.org.br/2019/09/o-que-esta-por-tras-da-reforma-da-previdencia-e-da-crise-economica-brasileira/), outros detalhes econômicos são explicados. “A Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), organização que desde 2001 investiga o tema e luta por uma auditoria, apresenta informações importantes que ajudam a elucidar como funciona esse roubo dos recursos dos trabalhadores e que é um dos mais graves problemas do nosso país. Entre as informações que merecem destaque, está a de que ente os anos de 1995 a 2015 economizamos R$1 trilhão (superávit Primário), apesar disso, a dívida interna aumentou de R$86 bilhões para quase R$4 trilhões no mesmo período. Isso demonstra que a dívida pública brasileira nada tem a ver com “gastar mais do que arrecada”, mas é inventada por mecanismos financeiros que retiram recursos da população para transferir aos banqueiros”. A Auditoria Cidadã também tem denunciado que tanto o PLP 459/2017 como a PEC 438/2018 visam “legalizar” um esquema fraudulento parecido com o que ajudou a quebrar a Grécia. O escandaloso desvio de recursos destina-se a pagar, por fora dos controles orçamentários, a dívida pública ilegal e onerosíssima que tal esquema cria (saiba mais em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/desvio-de-recursos-vira-modelo-de-negocios-securitizacao-e-rioprevidencia/?fbclid=IwAR3wR4FoEpt_P_M65xqgoIMZxHVcy-Uq1ax9-EpmAIk3TuwUNS55kQjB-R0). A coordenadora nacional da ACD e auditora fiscal aposentada, Maria Lucia Fattorelli lembra que, “a dívida pública já tem sido denunciada por várias ilegalidades, ilegitimidades e até fraudes inclusive em comissões aqui no Senado. Ela consome 40% do orçamento federal e afeta o orçamento dos estados e municípios, sendo paga a credores sigilosos” (https://auditoriacidada.org.br/premio-bertha-lutz-em-discurso-fattorelli-convoca-bancada-feminina-a-abracar-a-causa-da-divida-publica/). Na prática: Cálculo simples É óbvio o motivo do aumento no número de pessoas sem teto: ausência de políticas públicas. A região metropolitana com o maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2000 a 2010, Florianópolis, também registrou aumento na vulnerabilidade social. De acordo com o documento Floripa Social, da prefeitura de Florianópolis, “em cinco anos, Florianópolis saltou de cerca de 250 pessoas em situação de rua para 500 em meados de 2017. Já na grande Florianópolis como um todo, estima-se a presença de mil pessoas dormindo ao ar livre”. O aluguel de quitinete varia de R$ 696,88 a R$ 1.087,50, em Florianópolis, conforme o site Custo de Vida. O transporte coletivo custa R$ 4,20. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre setembro e outubro de 2019, a cesta básica de Florianópolis custou R$ 458,28. Se considerar o aluguel mais barato, a pessoa que recebe um salário mínimo não consegue morar e ter a cesta básica, nem consegue se deslocar de ônibus e fica à mercê da boa vontade alheia. Para piorar, a “Reforma” Trabalhista aprovada em 2017, permite inclusive que trabalhadores recebam menos que um salário mínimo nacional (R$ 998,00). Segundo as Conclusões Finais da Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência Social do Senado Federal (CPIPREV) ficou confirmado que não existe o famoso déficit (ficou no negativo) e propôs diversas ações para melhorar as contas públicas. O governo federal e a imprensa comercial ignoram solenemente a realidade, porque o sistema financeiro internacional prefere vender planos de previdência e pensão privados. Resultado: foi aprovada a “reforma” da Previdência. "Os dados do trabalho informal têm reflexo na Previdência, porque reduz a arrecadação e em conjunto com a reforma trabalhista, a reforma da Previdência aumenta a precarização dos trabalhadores", diz Wilson Martins Lalau, diretor do Sinergia, no 5º Seminário de Gênero e Raça. Luciana de Freitas Silveira, da Marcha das Mulheres Negras, enfatiza que, "é preciso responder à necropolítica. O governo decide quem vai morrer e quem vai ficar vivo". *O evento foi realizado nos dias 17 a 19 de outubro, no Hotel Golden, em São José e contou com participantes de movimentos negros, feministas, LGBTI+, indígenas, quilombolas, apresentações culturais, exposições e lançamento de livros.