"Os indicadores macroeconômicos (como déficit público, dívida bruta, taxa de investimento, etc.) são todos problemáticos. E o pior é que existe um embate permanente entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e não se vê um plano para tirar o país do pântano. Até as manifestações de rua estão conflagradas. Neste cenário, o sofrimento da população se agrava, enquanto aumenta a insatisfação geral. Existe um ambiente de muita instabilidade no presente e uma enorme ansiedade com o futuro", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 10-06-2019.

Eis o artigo.

O Brasil vive o seu pior período de recessão e recuperação dos últimos 120 anos. A retração do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de 2014 a 2016 foi longa e profunda, mas pior tem sido a inédita a lenta recuperação, com a manutenção de altas taxas de desemprego e de subutilização da força de trabalho.

O gráfico abaixo, com base em texto do IBRE, de Borça Jr, Barboza e Furtado(02/05/2019), contrasta os dados da última recessão com os dados dos dois períodos recessivos mais intensos do Brasil e também com a média das nove recessões ocorridas desde 1980. O artigo compara, como base 100, o trimestre imediatamente anterior ao início de cada recessão. Os resultados mostrados abaixo indicam que o Brasil atravessa o período de pior desempenho dos últimos 40 anos.

O texto diz: “Das nove recessões identificadas, as mais longevas e profundas, em ordem cronológica, foram as seguintes: i) entre 1T/1981 e 1T/1983, com duração de 9 trimestres e queda acumulada da economia de 8,5%, no contexto de crise da dívida externa dos países da América Latina; ii) entre 3T/1989 e 1T/1992, com duração de 11 trimestres e queda acumulada do PIB de 7,7%, em um ambiente de restrição de liquidez advindo do Plano Collor; e iii) o episódio recente, com duração de 11 trimestres e contração acumulada de 8,2%, entre 2T/2014 e 4T/2016”.

Padrão de evolução do PIB brasileiro em recessões. Acesse o link do gráfico aqui.

O texto continua: “A recessão de 1981-1983 (linha azul) não foi apenas mais pronunciada do que a média das contrações brasileiras, mas também apresentou uma espécie de “doudle dip”, ou recuperação em “W”, em que a economia ensaia uma retomada e, logo depois, entra novamente em contração. Foi somente a partir do 10º trimestre depois de iniciada a recessão que a economia passou a se recuperar de forma ininterrupta, retornando a seus níveis pré-recessão apenas 16 trimestres (o que equivale a 4 anos) depois de iniciada a contração do PIB.

Por sua vez, a recessão 1989-1992 (linha cinza) também apresentou queda rápida e profunda da atividade. Porém, a recuperação foi bem irregular, com dois movimentos de aceleração e posterior contração. Esse processo claudicante esteve ligado à implementação do Plano Collor, no 1T/1990, com forte restrição de liquidez aos agentes econômicos. Foi somente a partir do 12º trimestre que a recuperação, de fato, aconteceu. A economia recuperou seus níveis pré-recessão apenas 18 trimestres depois (ou seja após 4,5 anos).

Já a contração de 2014-2016 (linha vermelha) foi bem diferente tanto da média das recessões anteriores quanto daqueles episódios mais profundos já mencionados. Primeiro, porque a queda de PIB foi praticamente contínua ao longo de quase 3 anos. Segundo, porque a recuperação se caracteriza por uma lentidão sem precedentes em nossa história. Após 19 trimestres do início da recessão, ou seja, quase 5 anos depois, a economia brasileira ainda se encontra mais de 5% abaixo de seu nível do início de 2014. Comparativamente à média das recessões brasileiras, o nível atual do PIB do Brasilencontra-se, depois de 19 trimestres após o início da contração, 12,6% abaixo do padrão histórico de recuperação (94,9 contra 106,9)”.

Portanto, a análise acima mostra que o Brasil vive o seu pior desempenho econômicodas últimas 4 décadas. Mas um olhar a partir de um horizonte mais longo indica que o medíocre crescimento econômico atual é o pior dos últimos 120 anos. Considerando a média móvel de oito anos (octênios), o gráfico abaixo mostra que desde 2011 o ritmo de crescimento tem diminuído continuamente.

Considerando a média móvel de 8 anos, em todo o período, o atual octênio (2012-2019) apresenta o resultado mais decepcionante, seguido pelo octênio que cobre os governos Sarney e Collor. Todos os octênios entre 1901 e 1987 apresentaram crescimento médio anual acima de 2,9% ao ano.

Taxas anuais de crescimento do PIB e média móvel de oito anos - Brasil: 1899-2019.

A economia brasileira cresceu 4,5%, ao ano, na média dos 120 anos. A renda per capita cresceu 2,4% ao ano durante as 12 décadas. O período de maior crescimento foi entre 1968 e 1973 (conhecido como “milagre econômico”) quando o PIB, em média, cresceu 11% ao ano e a população cresceu 2,5% ao ano. Portanto, a renda per capita cresceu 8,5% ao ano entre 1968 e 1973.

O contraste com a situação atual é marcante, pois, no período Dilma-Temer, entre 2011 e 2018, o PIB cresceu 0,52% ao ano e a população cresceu 0,8% ao ano. O resultado foi a redução da renda per capita em – 0,27% ao ano. Mas o que estava ruim piorou. O ano de 2019 começou com uma retração no PIB de 0,2% no primeiro trimestre. O Boletim Focus do Banco Central já prevê um crescimento do PIB de 1,13% em 2019.

Assim, no período Dilma-Temer-Bolsonaro, entre 2012 e 2019, o PIB deve crescer somente 0,17% ao ano e a renda per capita caiu cerca de -0,63% ao ano (se confirmada a estimativa de crescimento do PIB de 1,13% em 2019). A população brasileira, na média, ficou mais pobre no octênio Dilma-Temer-Bolsonaro.

O caos atual das políticas públicas só agrava a situação. Quando era candidato, Jair Bolsonaro prometeu zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda no primeiro semestre, o presidente implora ao Congresso a autorização para o governo emitir cerca de R$ 249 bilhões em dívida.

O lado mais dramático de todos estes números está na situação de milhões de pessoas que não conseguem exercer o direito humano básico que é ter um emprego decente. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados(CAGED), do Ministério do Trabalho, o Brasil teve uma perda líquida de cerca de 3 milhões de empregos formais desde dezembro de 2014. Em março de 2019, ao invés de aumentar as contratações houve uma perda de 43 mil vagas no mercado formal, mostrando que a economia brasileira está em marcha lenta.

Segundo a PNADC, do IBGE, a taxa de desocupação (pessoas que não estavam trabalhando, mas estavam procurando emprego) foi de 12,7% no primeiro trimestre de 2019, significando 13,4 milhões de pessoas que desejam trabalhar, mas não conseguem vagas no mercado de trabalho. Segundo a mesma pesquisa, a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) foi de 25% no mesmo período, representando 28,3 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil. No trimestre fevereiro a abril de 2019 este número subiu para 28,4 milhões, o maior contingente da série histórica. O Brasil tem uma população subutilizada aproximadamente equivalente ao total da população da Espanha.

Tudo que foi dito indica que o Brasil está preso na “armadilha da renda média” e está vivendo a sua segunda “década perdida”. Os indicadores macroeconômicos (como déficit público, dívida bruta, taxa de investimento, etc.) são todos problemáticos. E o pior é que existe um embate permanente entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e não se vê um plano para tirar o país do pântano. Até as manifestações de rua estão conflagradas.

Neste cenário, o sofrimento da população se agrava, enquanto aumenta a insatisfação geral. Existe um ambiente de muita instabilidade no presente e uma enorme ansiedade com o futuro.

Referência:

Gilberto Borça Jr., Ricardo de Menezes Barboza, Mauricio Furtado. A recuperação do PIB brasileiro em recessões: uma visão comparativa, IBRE, 02-05-2019.

Fonte: Revista IHU Online