É a obra-prima de Euclides, Os Sertões, que encabeça uma parte da programação oficial da Festa. Na abertura, a especialista Walnice Nogueira Galvão chega às 20h da quarta-feira 10, no Auditório da Matriz, para destrinchar um pouco do homem, do jornalista e do autor que viveu e reportou a Guerra de Canudos. Na época, Euclides da Cunha era correspondente do O Estado de S. Paulo e fora enviado para traçar um retrato de dissidentes rebeldes e fanáticos religiosos comandados por Antônio Conselheiro. Encontrou muito mais.
Das 20h às 22h, a atriz e diretora Camila Mota traz a apresentação “Mutação de Apoteose”, idealizada a partir das canções compostas para montagens de ‘Os Sertões’ no começo dos anos 2000. A peça é idealizada também pela Universidade Antropófaga e conta com a participação de crianças e jovens de Paraty.
Não é só dos programas principais, porém, que sobrevive a Flip. Na realidade, é a agenda paralela que engrossa e dá mais vida às temáticas, e é ela que se consolida mais a cada ano como um evento à parte. Já pela manhã do dia 10, a obra Os Sertões será discutida a partir das bordagens do grupo Teia de Aranha, na Biblioteca Comunitária Casa Azul. Os mapas traçam um paralelo com os idealizados para Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e contam, desta vez, a história do sertão descrito por Euclides da Cunha.
Ainda no underground, a Flipinha, dedicada às crianças, distribui experiências literárias e artísticas com foco no público em formação, mas também somam discussões politizadas para os pequenos – como a roda de conversa “Constituição é assunto de criança, sim!”, que acontece na Central Flipinha, também no dia 10.
Entre as apostas com discussões que vão de Lava Jato, passando por Franz Kafka (não cafta) a narrativas de mulheres negras, está a Flipei – Festa Literária Pirata das Editoras Independentes. Glenn Greenwald, Christian Dunker, Erica Malunguinho, Anielle Franco e outros se reúnem, todos os dias, na embarcação ‘clandestina’ para discutir o que faz pulsar a política atual, que abrange outros espaços além do Congresso Nacional.
Uma Flip para todos
Comumente criticada em anos anteriores pela baixa pluralidade de vozes, que eram majoritariamente masculinas, acadêmicas e brancas, a Flip vem mudando a roupagem do evento para agregar mais mulheres, pessoas negras e representantes de etnias indígenas.
Bianca Santana, autora do livro “Quando me descobri negra”, doutora em Comunicação e uma das convidadas da mesa “Vozes insurgentes: mulheres negras na produção de conhecimento”, que acontece às 17h da sexta-feira 12 na Flipei, afirma que ainda existem muitas mulheres de grande relevância que acabam esquecidas pela história – e pelas curadorias, consequentemente.
“Carolina Maria de Jesus foi arrebatadora em número de vendas, em quantidade de traduções. Ela ficou muito conhecida naquele período [depois do lançamento de Quarto de Despejo, maior sucesso da autora]. O que acontece para que, em determinados momentos, uma ou outra surja com força e seja esquecida?”, questiona Santana.
A escritora, que organizou uma coletânea de textos feitos por mulheres negras que tratam do processo de escrever a própria história – e que inspirou a temática da mesa em questão -, afirmou que, como uma primeira mulher negra homenageada pela programação original, indicaria Conceição Evaristo ou Maria Firmino dos Reis.
Martha Lopes, jornalista, escritora e co-fundadora do #KDMulheres, uma iniciativa pela maior presença feminina na literatura, afirma que o cenário vem mudando, principalmente, pelas novas prioridades da curadoria – neste ano à encargo da jornalista Fernanda Diamant.
“Quando a gente falou disso em 2014, a discussão começava a chegar no Brasil. Inicialmente, no meio editorial, a gente recebeu muitos questionamentos – como se a curadoria não precisasse ser política”, afirmou.
Para Lopes, a Flip é um reflexo de uma cadeia de eventos que silenciam determinados grupos desde a escrita, passando pela cobertura de imprensa e pelos esteriótipos do mercado, como uma “literatura feminina”, por exemplo.
Para romper com tais roupagens, a jornalista recomenda a mesa “Bom Conselho”, às 12h da sexta-feira 11, que contará com a escritora norte-americana Kristen Roupenian e a canadense Sheila Reit falando sobre representações na escrita – uma escreve com estilo mais escatológico e macabro, e a outra é uma mulher que não quer ser mãe falando sobre a maternidade. Também indica a “Vila Nova da Rainha”, do domingo 14, com a cordelista pernambucana Jarid Arraes e a filha de cubanos Carmen Maria Machado, falando sobre tradições (e não tradições) na escrita.
A Flip e suas programações paralelas acontecem dos dias 10 a 14 de julho, na cidade de Paraty, Rio de Janeiro. A programação completa pode ser conferida no site oficial do evento, assim como ingressos para as mesas do circuito principal – que também tem transmissão gratuita, por meio de telão, na Praça da Matriz, localizada no Centro Histórico.
Fonte: Carta Capital
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