O mundo vive, de fato, a crise do capitalismo pós-moderno, que atribui às crises de ordem financeira o principal estopim para a agitação popular. A tendência, infelizmente, é o aprofundamento dos efeitos deletérios de uma já abissal discrepância no padrão de vida das pessoas, e que deve colocar — na verdade, trata-se de um processo que já está em curso — em xeque os regimes democráticos do mundo inteiro.

Por Leonel Cupertino*

Vivemos numa era revolucionária. O mundo está cada vez mais interligado e os seres cada vez mais dependentes da tecnologia.

Estamos prestes a entrar nos 2 últimos meses do ano e, para muitos, este tem sido um período de muita angústia, tristeza e desesperança. Não à toa, muitas pessoas têm desenvolvido cada vez mais transtornos psicológicos. Nossa geração vem sendo bombardeada por uma quantidade incessante de informações dos 4 cantos do mundo, e com isso as nossas relações — conosco e com os que estão a nossa volta — estão cada vez mais impessoais.

Nosso trabalho foi, em grande parte, automatizado; nosso lazer tem sido ficar por horas a fio diante de um computador, tablet ou celular; estamos mais objetivos para fazer nossas ideias caberem em 280 caracteres; nosso humor foi substituído por gifs e “memes”; e diante da gama de informações que recebemos, também, estamos dormindo menos.

As redes sociais, aliadas à liberdade de expressão, tem nos permitido viver em bolhas ideológicas, que acirram nossos ânimos e são, em grande parte, responsáveis por incentivar polarizações políticas, que por sua vez transformam opositores em inimigos irreconciliáveis.

Num mundo tão complexo, marcado pela mercantilização [até mesmo] das relações humanas, e onde a obsolescência é uma constante, estamos incentivando o consumo exacerbado de cidadãos que apresentam cada vez mais dificuldades em obter os meios para comprar aquilo que o sistema lhes apresenta como o atual, adequado e padrão.

O mundo, revolucionado, encontra-se em ebulição. Assistimos a manifestações pela independência da Catalunha, na Espanha, que terá sua 4ª eleição em 4 anos; um movimento na região semiautônoma de Hong Kong, na China socilista, clama não apenas pela manutenção, mas, também, pela ampliação dos valores e liberdades presentes em países democráticos; no Líbano, um movimento de protesto exige a renúncia de toda a chamada classe política, acusada de corrupção; no Equador, indígenas tomaram as ruas contra as medidas de austeridade econômica impostas ao país pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e fizeram o presidente transferir a capital administrativa do país interinamente; o Chile, agora, também vive seus dias de protesto contra um aumento na tarifa do metrô, mas que é apenas a gota d’água que faltava para o povo criticar as medidas do governo conservador que se impõe no nosso vizinho.

Em comum, todos esses países têm elevados índices de desigualdade social, e demonstram que os conceitos levantados pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) estão, de fato, corretos.

Um dos efeitos colaterais do capitalismo é o de que as pessoas querem consumir. Esse desejo quase incontrolável existe porque diariamente somos torpedeados com centenas de anúncios de produtos ou serviços que as colocarão alguns degraus acima na pirâmide social. Todos querem consumir: desde o alto executivo que goza das condições financeiras para poder adquirir o que quiser, até o cidadão suburbano, que se utiliza de determinados subterfúgios — e aí estão presentes recortes da violência urbana — para obter o que deseja: elevação de seu status social.

As pessoas se veem obrigadas a pagar por serviços básicos, mas de baixa qualidade, e se revoltam quando o Estado, que foi constituído para ser capaz de prover a maioria dos serviços básicos — saúde, educação, transporte e segurança — se reporta aos cidadãos como uma instituição falida. Evidentemente, contribuir [ainda mais] com o Estado não é algo bem-vindo, porque significa retração na fatia que os indivíduos direcionariam ao consumo.

O populismo da direita e os governos autoritários que eventualmente possam surgir são, também, consequências dessa grande crise do capital, uma vez que seus líderes se apresentam como capazes de prover segurança — em seu sentido amplo — e liberdade. Mas, para isso, utilizam-se de uma fórmula recheada de um nacionalismo protecionista, para preservar os empregos que, na prática, se tornarão subempregos com a automação constante da mão de obra, combinada a medidas de austeridade fiscal, o que na prática aprofunda ainda mais os efeitos da já gritante desigualdade.

O mundo vive, de fato, a crise do capitalismo pós-moderno, que atribui às crises de ordem financeira o principal estopim para a agitação popular. A tendência, infelizmente, é o aprofundamento dos efeitos deletérios de uma já abissal discrepância no padrão de vida das pessoas, e que deve colocar — na verdade, trata-se de um processo que já está em curso — em xeque os regimes democráticos do mundo inteiro. Haverá, com frequência cada vez maior, episódios de descontentamento social, que desencadeará em crises políticas e econômicas. Trata-se de tripé indissociável, que colapsará pouco a pouco a maioria das nações.

(*) Bacharel em Ciência Política pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), e Assessor Legislativo na Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais. Título original

Fonte: Diap

Comments powered by CComment